Naquele mesmo dia, ao terminar o recreio, Dona Nenén nos disse que tinha um apólogo para nos contar. E à hora do exercício de escrita, ditou para toda a classe: Era uma vez um Sapato Ferrado, era uma vez uma Sandália de Veludo que o destino reuniu, certa manhã, na vitrina de uma sapataria. Ele, de couro grosso, feio, forte, pesadão. Ela, pequenina, mimosa delicada com bordados de ouro, laçarotes de seda e fivelinha de prata. A sina dele (via-se logo ao primeiro olhar) não podia ser outra senão andar em pés grosseiros, sobre lama e sobre pedras. Ela (ao primeiro olhar se via) tinha sido feita para viver em palácios, sobre ricos tapetes, nos pezinhos delicados de uma mulher fidalga. Se não se pareciam no corpo, muito menos na alma. A dele era simples, lisa, complacente, bonachão. A dela, vaidosa, fútil, insaciável e complicada. Quando...