Faz 100 anos que o “Titanic” foi ao fundo e o
aniversário do naufrágio está tendo quase tanta cobertura quanto o próprio
naufrágio. Há exposições sobre o navio e seu fim em várias cidades da Europa e
discute-se outra vez desde as minúcias do desastre, como a desatenção do
comando do navio aos vários alertas de icebergs na rota, até seu significado
maior. Um jornal satírico americano fez uma edição inteira lembrando o acidente
e seus intérpretes cuja manchete principal era “Maior metáfora do mundo bate em
iceberg e afunda”. Que o trágico fim da maior coisa construída pelo homem até
então era uma metáfora ninguém discutia. Mas qual, exatamente, a metáfora?
O naufrágio do “Titanic” marcava o fim tardio do
século 19 e sua confiança ilimitada no progresso tecnológico. Como um castigo a
mais pela pretensão do século que findava, dali a dois anos toda a nova
engenhosidade da era estaria engajada nas máquinas de morte da Grande Guerra e
a tragédia precursora do “Titanic” simbolizaria um adeus à inocência. Chamado
de indestrutível, o “Titanic” desafiara os deuses, como os titãs do mito, e,
como os titãs, fora destruído pelos deuses - metaforicamente. Outra metáfora:
nada simboliza a divisão de classes como a divisão das classes num navio como o
“Titanic!”, onde os viajantes do porão, inclusive as crianças, tiveram poucas chances
de escapar com vida. O “Titanic” também era o mundo do privilégio ostensivo e
da massa descartável metaforizado.
Cherbourg, na Normandia, tem uma razão especial
para lembrar o “Titanic”. Seu porto foi uma das duas escalas feitas pelo navio
depois de deixar Southampton. Estivemos há dias na simpática Cherbourg - que
também foi um porto importantíssimo durante a Segunda Guerra Mundial e é a
terra dos guarda-chuvas filmada por Jacques Demy, com música de Michel Legrand.
Fomos visitar sua exposição dedicada ao “Titanic”. Excelente. No rádio do
carro, não, não Michel Legrand, mas, juro, Ai Se Eu Te Pego.
Simbolizando, pensando bem, nada.
Luis Fernando Verissimo
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