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uma mulher sob influência


 

queria escrever um poema sensorial, um sobrevoo rasante, ébrio, erótico,

com palavras que pudessem salvar algo disto aqui, mas o poema ele fracassa.

o poema fracassa justo onde eu preciso ser salva, justo onde eu, como gena,

mabel, como outras, como todas as mulheres que levantam os braços e rodopiam

com ou sem roupa, pelas ruas ou entre paredes, em silêncio ou aos berros,

           justo onde enlouqueço numa sazonalidade que não omito

 

                                                                                       mas não controlo.

 

queria escrever um poema que colasse no corpo como um drink açucarado que seca

sobre as pernas no dia seguinte após ter sido derramado numa noitada sem que fosse

sequer percebido. mas o poema fracassa porque esta loucura

porque esta loucura tem o formato de dunas que se movem

lentissimamente durante a noite, rearranjando uma nova paisagem estática

ainda que movente a cada dia.

 

                                     o poema ele não se curva

                           ele é tão domesticável quanto uma onça

                                    fumando charutos cubanos.

 

mas se você superar isto e seguir adiante, o poema te oferece

                                 uma delicadeza selvagem

como a de um gato que brinca monotonamente com um balão de gás

                                                          já meio murcho,

rolando-o pelo chão com as patas e unhas, mordiscando de leve,

                                                                       sem o destruir.

 

    queria mesmo que o poema tivesse uma qualidade profética,

                    que inaugurasse um universo paralelo

          mas o poema é bidimensional; ele tem a velocidade

         de gotas descendo espáduas octagenárias, incorrendo

              em cada vinco, hesitando nos profundos sulcos,

 

                                          ensaiando um desvio

                                      a cada acidente epidérmico

                                           causado pelos anos.

Rita Isadora Pessoa

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