Todo escritor que tenha sido entrevistado meia dúzia de vezes já passou pela indefectível pergunta: os professores devem obrigar seus alunos a lerem determinados livros? Já pensei mil vezes nesta questão. Quando estudante, eu era rata de biblioteca, mas confesso que me aborrecia quando o tema de casa era ler um livro que não estava nos meus planos. Tinha de tudo nesta recusa: um pouco de rebeldia, um pouco de preguiça e muito de ignorância. Afinal, se lemos livros de álgebra, biologia e história natural sem achar que o professor está sendo autoritário, porque um Guimarães Rosa ou um Machado de Assis provocam tanta polêmica?
Porque o livro de ficção está associado à arte, e arte é escolha. Não recebemos aulas sobre Fellini ou Hitchcock na escola. Não aprendemos nada sobre Beethoven ou Beatles no colégio. A obra de Matisse e Renoir não cai nas provas. Por que só a literatura está no currículo?
Talvez porque a literatura continue sendo fundamental para a formação do indivíduo. Música, cinema, dança, pintura e outros tipos de manifestações artísticas acabam sendo, injustamente, designadas de “conhecimento geral”. Já a literatura está além do prazer. Ela nos ensina, antes de mais nada, a escrever, e isso já bastaria para colocar qualquer livro como complemento indispensável da cartilha. Além disso, os livros ensinam a sonhar, a olhar para dentro, a reconhecer sentimentos, a assimilar culturas. Ensinam geografia, história, português. Ajudam a formar o caráter e preparam para a vida.
Não é na escola que se aprende a ter amor pelos livros. É em casa, convivendo com eles desde criança, seguindo o exemplo de nossos pais. Mas a escola pode e deve incentivar o hábito, não porque cai no vestibular, mas porque a literatura é a base do ensino. É lendo livros de Direito Penal que serão formados os futuros criminalistas, é lendo livros de Odontologia que se aperfeiçoarão os dentistas de amanhã, é pelos livros didáticos que começam a se formar jornalistas, professores, cientistas, arquitetos, pedagogos e demais profissionais deste país.
Muito bem, mas por que José de Alencar e não Maria Mariana? É claro que o adolescente tem o direito de fazer suas próprias escolhas, e há boa literatura para todas as idades. Nada contra os novos autores, tão jovens quanto seus leitores, que falam a mesma língua e tratam das mesmas angústias. Mas isso não significa que um Josué Guimarães ou um Erico Verissimo também não possam encantar os menores de 18 anos. O importante é abrir o leque de opções, apresentar aos estudantes todo tipo de literatura, de preferência a de melhor qualidade, porque só conhecendo diversos autores e estilos é que ele poderá, mais tarde, selecionar os seus preferidos.
Quando eu frequentava as aulas de matemática, já intuía que os logaritmos e as equações fracionárias não me fariam falta no futuro, mas o professor não podia adivinhar qual o caminho que eu iria seguir, se o das ciências humanas ou exatas, e por isso tinha a obrigação de me ensinar aquilo que poderia vir a ser útil em minha vida, deixando para mim a responsabilidade de abandonar estas lições em algum canto do cérebro, caso não precisasse mais delas. O que os professores de literatura querem, quando exigem que seus alunos leiam os clássicos da literatura brasileira e universal, é estimular a discussão de ideias e ajudá-los a compreender melhor o mundo em que vivem. Que cumpra-se o currículo. Se alguém achar chato, terá a vida pela frente para ler apenas os neurolinguistas, peregrinos, bruxas e outras maravilhas da atualidade.
Martha Medeiros
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