Meu tio tinha cara de bandido e era graças
a isso que ganhava a vida. Trabalhava para um clube de Brasília que se gabava
de fornecer aos sócios diversões inusitadas. Tais como os assaltos simulados, a
cargo do meu tio.
A coisa funcionava da seguinte maneira. Ao
cair da noite ele se dirigia para o estacionamento do clube e ali ficava, meio
oculto entre as árvores. Quando um sócio aparecia, meu tio saía de seu
esconderijo e, revólver de plástico na mão, gritava: quieto, isto é um assalto.
O sócio – tudo previamente combinado – levantaria os braços, mas, meu tio se
aproximando, ele lhe daria um golpe no pulso, fazendo o revólver voar; e aí
daria um soco na barriga de meu tio, que se curvava gemendo – apenas para ser
atingido por outro devastador murro no queixo. Tombava como uma árvore abatida,
seria chutado pelo sócio e ficaria estendido no asfalto, sangrando como um
porco. O sócio, limpando as mãos e bradando alto e bom som: que isso te sirva
de lição, entrava para jogar cartas.
Meia hora depois meu tio se levantava e,
cambaleando, entrava no clube pela porta de serviço. Ia até o ambulatório, onde
o enfermeiro lhe fazia um curativo nos ferimentos, e depois passava na caixa
para receber o cachê – não muito alto, mas suficiente para que sobrevivesse com
dignidade. O importante é isso, ele nos dizia, dignidade. Mostrava-nos com
orgulho o revólver: vejam que imitação perfeita, fui eu mesmo que escolhi. Nesse
momento eu surpreendia em seu olhar um estranho brilho, selvagem e inquieto ao
mesmo tempo. Só muito mais tarde descobri a razão: meu tio temia que algum
sócio novo, mal informado pelo clube, lhe entregasse tudo, carro, dinheiro,
mulher. Tanta ansiedade lhe causava essa perspectiva que veio afinal a se
matar. Com um revólver de verdade que guardava em casa, não se sabe exatamente
por quê. Medo de ladrões, talvez.
Moacyr Scliar
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