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Mostrando postagens de novembro, 2012

Os dois reis e os dois labirintos

      Contam os homens dignos de fé (porém Alá sabe mais) que nos primeiros dias houve um rei das ilhas da Babilônia que reuniu seus arquitetos e magos e ordenou a construção de um labirinto tão perfeito e sutil que os varões mais prudentes não se aventuravam a entrar nele, e os que nele entravam se perdiam. Essa obra era um escândalo, pois a confusão e a maravilha são atitudes próprias de Deus e não dos homens. Com o correr do tempo, chegou à corte um rei dos árabes, e o rei da Babilônia (para zombar da simplicidade de seu hóspede) fez com que ele penetrasse no labirinto, onde vagueou humilhado e confuso até o fim da tarde. Implorou então o socorro divino e encontrou a saída. Seus lábios não pronunciaram nenhuma queixa, mas disse ao rei da Babilônia que tinha na Arábia um labirinto melhor e, se Deus quisesse, lho daria a conhecer um dia. Depois regressou à Arábia, juntou seus capitães e alcaides e arrasou os reinos da Babilônia com tão venturoso acerto que...

Definitivo

Definitivo, como tudo o que é simples. Nossa dor não advém das coisas vividas, mas das coisas que foram sonhadas e não se cumpriram. Sofremos por quê? Porque automaticamente esquecemos o que foi desfrutado e passamos a sofrer pelas nossas projecções irrealizadas, por todas as cidades que gostaríamos de ter conhecido ao lado do nosso amor e não conhecemos, por todos os filhos que gostaríamos de ter tido junto e não tivemos, por todos os shows e livros e silêncios que gostaríamos de ter compartilhado, e não compartilhamos. Por todos os beijos cancelados, pela eternidade. Sofremos não porque nosso trabalho é desgastante e paga pouco, mas por todas as horas livres que deixamos de ter para ir ao cinema, para conversar com um amigo, para nadar, para namorar. Sofremos não porque nossa mãe é impaciente conosco, mas por todos os momentos em que poderíamos estar confidenciando a ela nossas mais profundas angústias se ela estivesse interessada em nos compreend...

A segunda chance

 Havia um homem muito rico, que possuía muitos bens, uma grande fazenda, muito gado e vários empregados a seu serviço... Tinha ele um único filho, um único herdeiro, que ao contrário do pai não gostava de trabalho nem de compromissos. O que ele mais gostava era fazer festas e estar com seus amigos, e de ser bajulado por eles. Seu pai sempre o advertia que seus amigos só estavam ao seu lado enquanto ele tivesse o que lhes oferecer, e depois o abandonariam. Os insistentes conselhos de seu pai lhe retiniam aos ouvidos, e logo se ausentava sem dar o mínimo de atenção. Um dia, o velho pai já avançado em idade, disse aos seus empregados para construírem um pequeno celeiro e, dentro dele, fez uma forca, e junta a ela uma placa com os dizeres: “Para você nunca mais desprezar as palavras de seu pai”. Mais tarde, chamou o filho e o levou até o celeiro e disse: “Meu filho, eu já estou velho e quando eu partir, você tomará conta de tudo o que é meu, e sei qua...

O lápis

O menino observava seu avô escrevendo em um caderno, e perguntou: — Vovô, você está escrevendo algo sobre mim? O avô sorriu, e disse ao netinho: — Sim, estou escrevendo algo sobre você. Entretanto, mais importante do que as palavras que estou escrevendo, é este lápis que estou usando. Espero que você seja como ele, quando crescer. O menino olhou para o lápis, e não vendo nada de especial, intrigado, comentou: — Mas este lápis é igual a todos os que eu já vi. O que ele tem de tão especial? — Bem, depende do modo como você olha. Há cinco qualidades nele que, se você conseguir vivê-las, será uma pessoa de bem e em paz com o mundo, respondeu o avô. — Primeira qualidade: assim como o lápis, você pode fazer coisas grandiosas, mas nunca se esqueça de que existe uma "mão" que guia os seus passos, e que sem ela o lápis não tem qualquer utilidade: a mão de Deus. — Segunda qualidade: assim como o lápis, de vez em quando você vai ter que parar o que está escrevendo...

Morte no avião

Acordo para a morte. Barbeio-me, visto-me, calço-me. É meu último dia: um dia cortado de nenhum pressentimento. Tudo funciona como sempre. Saio para a rua. Vou morrer. Não morrerei agora. Um dia inteiro se desata à minha frente. Um dia como é longo. Quantos passos na rua, que atravesso. E quantas coisas no tempo, acumuladas. Sem reparar, sigo meu caminho. Muitas faces comprimem-se no caderno de notas. Visito o banco. Para que esse dinheiro azul se algumas horas mais, vem a polícia retirá-lo do que foi meu peito e está aberto? Mas não me vejo cortado e ensangüentado. Estou limpo, claro, nítido, estival. Não obstante caminho para a morte. Passo nos escritórios. Nos espelhos, nas mãos que apertam, nos olhos míopes, nas bocas que sorriem ou simplesmente falam eu desfilo. Não me despeço, de nada sei, não temo: a morte dissimula seu bafo e sua tática. Almoço. Para quê? Almoço um peixe em outro e creme. É meu último peixe em meu ú...