Quando acordei no hospital, depois de sete dias em coma, não conseguia me lembrar do chute, nem do impacto da bola contra a minha cabeça, nem da cabeça batendo no chão de cimento. Eu cursava o sexto ano do ensino fundamental e o acidente aconteceu na aula de Educação Física. “Vamos treinar cobrança de pênalti”, disse Ruy, professor querido, apaixonado por esportes e literatura. “Antes de chutar, cada um de vocês pegará um papel dentro deste copo plástico e vai ler bem alto, o mais alto possível, a palavra sorteada. Dentro do pote vocês vão encontrar os sete pecados capitais. Ficou claro?” Pecados capitais? Não, a molecada estava confusa, mas deixou por isso mesmo e eu fui para o meu lugar cativo, o gol. Como no filme Sociedade dos Poetas Mortos, os garotos tiravam os papeizinhos, gritavam o que estava escrito e bomba no gol. Na quadra ao lado – porque naquele tempo era assim - as meninas jogavam vôlei. “Avareza”, gritava alguém antes de chutar e eu de...