Pular para o conteúdo principal

Na própria pele


Depois de tantas buscas, encontros, desencontros, acho que a minha mais sincera intenção é me sentir confortável, o máximo que eu puder, estando na minha própria pele. É me sentir confortável, mesmo convivendo com tantas perguntas que o tempo não respondeu e com a ausência de qualquer garantia de que ele ainda responda. É me sentir confortável, mesmo entendendo que as respostas que tenho mudarão, como tantas já mudaram, e que também mudarei, como eu tanto já mudei.

Depois de tantas buscas, encontros, desencontros, acho que a minha mais sincera intenção é me sentir confortável, o máximo que eu puder, estando na minha própria pele. É me sentir confortável, mesmo sentindo que cada vez mais eu sei cada vez menos, e não saber, ao contrário do que já acreditei, pode nos fazer vislumbrar uma liberdade incrível, às vezes. Tem saber que é nítida sabedoria, que fortalece, que faz clarear, mas tem saber que é apenas controle disfarçado, artifício do medo, armadilha da dona autosabotagem.

Depois de tantas buscas, encontros, desencontros, acho que a minha mais sincera intenção é me sentir confortável, o máximo que eu puder, estando na minha própria pele. É me sentir confortável, mesmo percebendo que a minha vida não tem lá tanta semelhança com o enredo que eu imaginei para ela na maior parte da jornada e que nem por isso é menos preciosa. É me sentir confortável, cabendo sem esforço e com a fluidez que eu souber, na única história que me é disponível, que é feita de capítulos inéditos, e que não está concluída: esta que me foi ofertada e que, da forma que sei e não sei, eu vivo.

Depois de tantas buscas, encontros, desencontros, acho que a minha mais sincera intenção é me sentir confortável, o máximo que eu puder, estando na minha própria pele. É me sentir confortável, mesmo acessando, vez ou outra, lugares da memória que eu adoraria inacessíveis, tristezas que não cicatrizaram, padrões que eu ainda não soube transformar, embora continue me empenhando para conseguir. É me sentir confortável, mesmo sentindo uma saudade imensa de uma pátria, aparentemente utópica, onde os seus cidadãos tenham ternura, respeito e bondade, suficientes, para ajudar uns aos outros na tecelagem da paz e no desenho do caminho.

Depois de tantas buscas, encontros, desencontros, acho que a minha mais sincera intenção é me sentir confortável, o máximo que eu puder, estando na minha própria pele. Estarmos na nossa própria pele não é fácil e essa percepção é capaz de nos humanizar o bastante para nos aproximarmos com o coração do entendimento do quanto também não seria fácil estarmos na pele de nenhum outro. Por maiores que sejam as diferenças, as singularidades de enredo, as particularidades de cenário, não nos enganemos: toda gente é bem parecida com toda gente. Toda gente é promessa de florescimento, anseia por amor, costuma ter um medo absurdo e se atrapalhar à beça nessa vida sem ensaio.

Depois de tantas buscas, encontros, desencontros, acho que a minha mais sincera intenção é me sentir confortável, o máximo que eu puder, estando na minha própria pele. É me sentir confortável o suficiente para cada vez mais encarar os desconfortos todos fugindo cada vez menos, sabendo que algumas coisas simplesmente são como são, e que eu não tenho nenhuma espécie de controle com relação ao que acontecerá comigo no tempo do parágrafo seguinte, da frase seguinte, da palavra seguinte. É me sentir confortável o suficiente para caminhar pela vida com um olhar que não envelhece, por mais que eu envelheça, e um coração corajoso, carregado de brotos de amor.

Ana Jácomo

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A oportunidade de vencer

Já choramos tanto. Já nos irritamos tanto. A estupidez vira padrão, pois substituímos sábios por influencers, e trocamos a liberdade dos livros pela escravidão de celulares.   Por que esquecemos as boas músicas e só ouvimos canções obscenas e podcasts idiotas? Por que a derrota é uma lei ainda em vigor? Quem decretou que meu pequeno sonho não vale nada?   Escolas e cadeias são o resumo da humanidade? Qual saber permitirá que o meu eu do passado encontre o meu eu do futuro?   A vitória é um caminho espinhento, mas perfumado. A ignorância é um esqueleto arrastado pela mão da morte.   Ninguém mais quer aprender? Eu quero que a transformação venha da poesia.   Eu quero que a aprendizagem nasça do não.   Chega de assassinar o tempo e de se drogar com prazeres cibernéticos. É crucial educar a rebeldia. É essencial aprender com a esperança, porque a subjetividade é bela e maravilhosa quando lemos um livro, lançamos tintas num quadro e cantamos ao lado de uma crian...

Criaturas da liberdade

  Um senhor foi à feira de uma pequena cidade. Com o semblante sério, caminhou até um menino que vendia pássaros. Havia muitas aves presas em gaiolas. Pássaros das mais diversas cores se debatiam nas grades, muitos estavam agitados, estressados, inquietos, e famintos. - Quanto custa cada pássaro?! – gritou para o menino. - É baratinho, senhor ! – respondeu o garoto, sem dizer exatamente quanto custava cada pássaro. Aparentando ter pressa e uma certa impaciência, o senhor simplesmente proclamou: - Quero todos! E comprou todos os pássaros.   E os comprou com suas gaiolas. Em seguida, começou a quebrar as gaiolas, uma por uma, e libertou todos os pássaros que ele havia comprado. O menino, surpreso com aquela atitude, perguntou ao determinado comprador: - Por que o senhor fez isso?!! E ele respondeu: - Fui prisioneiro de guerra. Conheço o sentimento da perda da liberdade. A prisão é um dos piores lugares para quem vive observando a beleza do mundo através de gr...

Dia dos namorados

  Vai até a linha do horizonte desfia o limite entre o céu e a terra para que tu possas pular corda com a paz, essa amiga fiel, e aprende a dançar num segundo igualzinho a um beija-flor. Presenteia hoje com uma estrela quem faz teus olhos brilharem e beija suavemente a boca do teu amor no dia dos namorados. Anakin Ribeiro